O TEMA DA LONGEVIDADE – A ANGÚSTIA CONTEMPORÂNEA DIANTE DO ENVELHECIMENTO E DA MORTE
Ora, a vida eterna é esta: que eles conheçam a ti, o Deus único e verdadeiro e aquele que enviaste, Jesus Cristo (Jo. 17,3).
O tema da morte, sem dúvida, compõe-se como central na existência humana, pois aponta e evidencia a perspectiva da finitude. A morte, sempre tomada pelo mistério, impõe-se como realidade intransponível e implacável, suscitando sentimentos contraditórios como angústia, solidão e medo, mas também fé e esperança. O olhar e entendimento sobre a morte dinamizam-se, sobretudo, a partir da concepção que se tem da própria vida. Para quem compreende que a vida se esgota na materialidade corpórea, a morte pode configurar-se como algo aterrador e desesperador, na medida em que se constitui como fim e aniquilamento, indicando o fracasso da vida biológica. No entanto, para os que, iluminados pela fé, concebem que a vida é transcendência, a morte representa apenas um momento de passagem, fundamental para se alcançar a vida verdadeira, a compor-se como plena comunhão com Deus.
O contemporâneo, ao deparar-se com a dimensão da morte – tendo o niilismo como referência –, acaba por mergulhar e imergir em dor e desespero. Tal postura ganha visibilidade, por exemplo, no pensamento do filósofo Jean-Paul Sartre. Para Sartre, a implacabilidade da morte sela e define o vazio que configura a existência. Nesta ótica, a existência carece de sentido, não passando de fracasso e desespero, pois o humano é um ser para o nada. A morte seria o fato contundente da nulidade e fracasso que se compõe a vida. Com esta visão de fundo, só resta ao indivíduo a vida efêmera, pautada em decisões imediatas e objetivas, a centralizar o prazer, o conforto, o poder, o sucesso, o dinheiro como bens absolutos. A perspectiva niilista lança a vida em um profundo abismo existencial. A morte desponta, então, como algo aterrador, a privar o indivíduo da única realidade, a se restringir e se encerrar na materialidade do corpo e de bens tangíveis.
É neste ponto que o tema da longevidade tem alcançado repercussão e ganhado espaço. Enclausurado em uma concepção meramente materialista de existência, o contemporâneo busca, alucinadamente, formas de prolongar ao máximo a vida. É o velho sonho da imortalidade que desponta, agora sob os auspícios da biociência. Porém, atento às lições do mito grego de Aurora, que almeja a imortalidade para seu amado Tithon (que alcança a imortalidade, mas continua sofrendo os efeitos do tempo e envelhece), não basta a imortalidade: é preciso também a juventude eterna, preservando a beleza e o vigor do corpo. Neste contexto, deparamo-nos com a multiplicação de pesquisas científicas, levadas a cabo mediante elevados investimentos, a buscarem e prometerem a suplantação total da morte. O problema fundamental, em tal caso, pode se configura em uma imortalidade vazia, dinamizada por uma existência pautada em perspectivas equivocadas, incapazes de acalentarem os anseios genuinamente humanos, a ultrapassarem a mera materialidade.
Talvez, falte ao contemporâneo justamente a lucidez de alguns pensadores gregos, como Epicuro, por exemplo, que apesar de seu materialismo, ensinava a não temer a morte. Para o filósofo, a postura sábia não consiste em desejar poucos ou muitos anos à vida, mas em viver bem e intensamente os anos que a vida lhe der, independente de serem breves ou longos. A qualidade da vida, para o filósofo em tela, não se encontra em sua duração, mas na forma sábia e equilibrada de compor a existência. Assim, pode-se tanto se ter uma vida longa e vazia quanto se ter uma vida breve, mas plena de sentido. Nesta mesma direção podemos situar Sêneca, pensador romano do século I d.C., que com o estoicismo ensinava a serenidade diante do sofrimento e da própria morte. Em todo caso, de maneira geral, para o pensamento grego clássico, o sentido da vida se encontra na via da filosofia, que busca contemplar o conhecimento, desapegando-se de tudo que é efêmero. Neste esteio, podemos destacar o pensamento de Boécio, filósofo cristã do século V, que quando preso e na iminência da morte encontra consolação na sabedoria filosófica. Segundo Boécio, o fundamental na existência consiste na contemplação da sabedoria, que é o próprio Deus.
Avançando no âmbito cristão – e para os que crêem em geral –, a morte compõe-se apenas como tácito indicativo de que a realidade material não esgota e nem define a existência. Para aquele que se move pela perspectiva da fé, a dor da morte não se confunde, em hipótese alguma, com desespero, pois há a profunda e fundamental esperança de que há vida para além da morte. Para o cristão a morte não tem a última palavra. O sofrimento, a doença, o envelhecimento e a própria morte devem ser entendidos a partir de uma perspectiva bem mais ampla e transcendente. Neste ponto, o cristão concebe a vida como realidade transitória, a alcançar sentido apenas na transcendência. A dimensão da transcendência passa a ser o critério de toda ação do cristão. Ele se move no mundo sob o prisma da relatividade das coisas e do Absoluto da vida em Deus. É preciso então aspirar a uma realidade bem mais elevada, que ultrapassa a morte ao mesmo tempo em que aponta para a transcendência da vida. Sob a ótica da fé, a morte configura-se tão somente como passagem, a abrir para o horizonte da esperança, apontando a ressurreição como realidade final.
A fé na ressurreição de Jesus Cristo é quem define o próprio sentido da vida do cristão. A ressurreição significa a vitória definitiva da vida sobre a morte. A morte pode assumir e ser representada por varias faces – vazio existencial, injustiça social, opressão, miséria material e espiritual, corrupção, egoísmo, individualismo etc –, mas o amor suplanta todas elas. A ressurreição de Jesus Cristo evidencia a força vital do amor, que se revela capaz de transcender toda e qualquer forma de morte. O sentido existencial passa e abrange também aspectos materiais, mas, de forma alguma, se esgota neles. Sem dicotomizar corpo e espírito, a visão cristã concebe o humano como um ser íntegro. A espiritualidade cristã compreende corpo e espírito como realidades que se completam. O cristão aspira a realidades mais elevadas, sem desconsiderar a dignidade própria da dimensão corpórea. Nesta leitura, os aspectos materiais da vida assumem importância sempre relativa, na medida em que o Absoluto encontra-se somente na esfera da transcendência. Assim, a morte apenas sinaliza e nos alerta para o que é essencial no existir: o amor a Deus e ao próximo, na transcendência que deve envolver e direcionar a vida em sua totalidade.
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O autor:
Adelino Francisco Oliveira é filósofo, mestre em Ciências da Religião pela PUC-SP e doutorando pela Universidade de Braga – Portugal. Professor do Colégio Salesiano Dom Bosco e da Faculdade Dom Bosco de Piracicaba, coordena também os cursos de extensão da instituição.
(fotos: Alê Bragion)
Parabéns pelo texto!
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